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24 de nov. de 2013

Quando a alegria se vai. (relato de uma depressão com final feliz)


Quando a gente está mal, muita gente se afasta. Mas por outro lado, você vê ajuda de quem não esperava. Aconteceu comigo, quando eu tava lááá naquele lugar frio e escuro chamado fundo do poço, uma menina que eu sempre admirei e gostei, porém que nunca tinha tido uma relação muito estreita (era mais de trabalho) me deu a mão, me escutou e foi a primeira que eu senti que realmente me entendeu.

Semana passada ela me mandou este post, que originalmente estava no blog Hyperbole and a Half, falando sobre a depressão e a dificuldade das pessoas de compreender este sentimento.

O que eu vou postar aqui já é a tradução feita pelo Gluck Project, e tenho que falar que poucas vezes vi um texto tão simples explicar tão bem o inexplicável.

Ele vai também em homenagem e agradecimento a ela, que me deu duas visitas, um almoço e uma caixa de chocolate (cuja caixinha está hoje na minha mesa de trabalho), que pode até parecer pouco, mas mal ela sabe que foi um dos acontecimentos que me motivou a lutar.

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Depressão parte dois

Me lembro de como me divertia eternamente com as aventuras dos meus brinquedos. Em alguns dias, eles morriam diversas mortes violentas, em outros viajavam até o espaço, em outros discutiam as minhas aulas de natação e como eu deveria poder nadar na parte funda da piscina, principalmente porque eu dominava tão bem o nado cachorrinho.



Eu não sabia por que aquilo me divertia tanto, apenas era divertido.


Mas à medida que fiquei mais velha, ficou cada vez mais difícil acessar aquele lugar imaginário que deixava os meus brinquedos divertidos. Eu me lembro de olhar para eles e me sentir meio frustrada e confusa porque as coisas não eram mais as mesmas.


Eu ficava repetindo todas aquelas histórias que antes eram engraçadas, mas agora elas tinham perdido o sentido. A Grande Aventura do Cavalo no Espaço se transformou em Segurar um Cavalo de Plástico no Ar, e eu esperava que aquilo fosse de alguma maneira divertido para mim. A Viagem Maluca do Ônibus Pré-Histórico da Morte agora era apenas jogar um ônibus cheio de dinossauros de brinquedo contra uma parede enquanto eu me sentia meio entediada. Eu não conseguia mais me conectar com meus brinquedos.


Depressão é exatamente a mesma coisa, mas com tudo ao seu redor.

No começo, aquela invulnerabilidade que surge quando você não se importa mais com as coisas era empolgante. Quer dizer, tão empolgante quanto algo sem emoções poder ser.


O começo da minha depressão foi uma avalanche de emoções, então foi um alívio começar a não sentir mais nada. Eu sempre quis estar pouco me fodendo para as coisas. Eu via os sentimentos como uma fraqueza – obstáculos irritantes na minha busca de poder total sobre mim mesma. E finalmente eu não estava sentindo mais nada.

Mas as minhas experiências lentamente foram se achatando e misturando até ficar óbvio que tem uma grande diferença entre estar pouco se fodendo para as coisas e não conseguir se importar com nada. Cognitivamente, você até sabe que coisas diferentes estão acontecendo com você, mas elas não parecem muito diferentes.


O que leva a um tédio terrível e corroente.


Eu tentava sair mais de casa, mas a maioria das atividades divertidas me deixava existencialmente confusa ou frustrada com a minha incapacidade de aproveitá-las.


Meses foram se passando e eu lentamente comecei a aceitar que talvez nunca mais pudesse me divertir. Mas eu não queria que ninguém soubesse. Eu ainda estava meio constrangida de ficar entediada ao lado das pessoas, e tinha esperanças de que as coisas fossem se resolver sozinhas. Se eu conseguisse não afastar os outros, tudo poderia ficar bem!

Mas eu não conseguia mais me basear em emoções reais para controlar as minhas expressões faciais e quando você tem de ficar manipulando conscientemente o seu rosto para ter uma conversa, as pessoas acabam se afastando.




Todo mundo percebia.


É esquisito para as pessoas que ainda têm sentimentos conviver com pessoas deprimidas. Elas tentam fazer você sentir as coisas para que tudo volte ao normal e é frustrante quando isso não acontece. Para elas, parece que tem de haver uma fonte escondida de felicidade em algum lugar dentro de você que você simplesmente perdeu. E que se você apenas pudesse ver como o mundo é bonito…



No começo, eu tentava explicar que o que eu estava sentindo já não era mais pensamento negativo ou tristeza, era apenas uma névoa sem sentido na qual você não consegue mais sentir nada – nem mesmo as coisas que você ama, nem mesmo as coisas divertidas – e que você está terrivelmente entediada e sozinha, mas, como você perdeu a capacidade de se envolver com qualquer assunto que normalmente te deixaria menos entediada e sozinha, você acabou presa nesse mundo entendiante, sozinho e sem sentido, no qual não há nada que te distraia do fato de que ele é entendiante, sozinho e sem sentido.






Mas as pessoas querem te ajudar. Então elas se esforçam mais para fazer você se sentir esperançosa e positiva diante da situação. Você explica tudo de novo, e diz que talvez não haja esperança, mas quando você re-explica a sua incapacidade de sentir alegria, você acaba parecendo uma pessoa negativa; como se você QUISESSE estar deprimida. A positividade começa a aparecer como se fosse um spray direcionado à sua cara – um raio laser gigante e desesperado de alegria mirando bem a sua testa. E isso não para e não para, até chegar aquele momento em que você está argumentando que você é um caso sem solução, que não há esperanças para você, para que eles desistam de sua missão da felicidade e apenas deixem você sozinha para se sentir entediada novamente.


E essa é a coisa mais frustrante da depressão. Não é algo contra o qual você possa lutar com esperança. Na verdade, nem é um algo – é um nada. E é impossível combater o nada. Você não consegue preenchê-lo. Você não consegue cobri-lo. Ele está apenas lá, tirando o sentido de todas as coisas ao seu redor. Quando é assim, todas as soluções positivas e pró-ativas começam a parecer completamente malucas em comparação com o verdadeiro problema.

É como ter um monte de peixes mortos na mão e ninguém reconhecer que os peixes estão mortos. Em vez disso, as pessoas se oferecem para tentar achá-los ou tentar descobrir como desapareceram.







O problema talvez nem tenha solução. E você nem necessariamente está procurando por soluções. Você talvez só esteja procurando por alguém que diga: “eu sinto muito que os seus peixes morreram” ou “nossa, como eles estão mortos. Mas tudo bem, eu ainda gosto de você”.



Comecei a passar mais tempo sozinha.


Talvez fosse porque eu estava sem estrutura emocional para entrar em pânico, ou talvez eu não sentisse que minha situação fosse dramática o suficiente, mas eu de alguma maneira me convenci de que tudo estava sob o meu controle. Até perceber que eu esperava que ninguém mais me amasse o suficiente para sentir a minha falta. Assim, eu não teria que me obrigar a continuar existindo.



É um momento estranho quando você percebe que não quer mais estar viva. Se eu ainda tivesse sentimentos, certamente estaria surpresa com isso. Eu passei a maior parte da minha vida tentando ativamente me manter viva. Desde o meu ancestral unicelular mais antigo, houve uma corrente inquebrável de coisas que queriam muito sobreviver.




Mas lá estava eu, desejando parar de existir da mesma maneira que você deseja sair de um quarto vazio ou desligar um insuportável barulho repetitivo.


Mas essa não era a pior parte. A pior parte é decidir continuar vivendo.


Quando eu digo que decidir não me matar é a pior parte, preciso deixar claro que não quero dizer isso hoje em dia, retrospectivamente. Hoje, para mim, me parece uma decisão bem sensata não ter me matado. Mas naquela época parecia que eu teria que me arrastar por uma terrível e interminável terra destruída e que – lá ao longe – talvez eu tenha visto um fim para tudo isso. Mas assim que eu chegasse ao fim dessa terra destruída eu teria que me virar e atravessá-la toda de novo.


Logo depois eu descobri que não havia uma maneira delicada ou sensível de contar às pessoas que você anda meio suicida. E que também não daria para pedir ajuda, assim, como quem não quer nada.




Eu não queria que fosse um negócio enorme. Mas é um assunto alarmante. Tentar levar a questão numa boa só deixava todo mundo ainda mais assustado.


Eu também andava muito mal preparada para acalmar ou reconfortar alguém. O que era reconfortante para mim não necessariamente era para os outros.




Eu não tinha sentimento algum, e todo mundo ao meu redor tinha tantos sentimentos, que parecia que eles estavam sentindo tudo de propósito na minha frente. Eu realmente não sabia o que fazer, então topei ir ao médico para ver se todo mundo parava de ficar tendo todos esses sentimentos por mim.


Nas próximas semanas, fiquei falando com um batalhão de pessoas esperançosas sobre os meus sentimentos que já não existiam mais, para que elas me prescrevessem remédios para que eu voltasse a senti-los.


E tudo que eu fazia parecia uma imensa merda sem sentido. O absurdo de ter que se esforçar tanto para continuar fazendo uma coisa que você não consegue é esmagador. E quanto mais demora para você começar a se sentir diferente, mais parece que no fundo tudo é uma imensa merda sem sentido mesmo.


Lentamente, meus sentimentos começaram a voltar. Mas nem todos, e eles não chegaram de uma maneira simétrica.

Por muito tempo, não consegui me importar com nada e, quando comecei a me importar com as coisas novamente, eu as ODIAVA todas. Mas, tecnicamente, ódio é um sentimento. E meu cérebro se agarrou a ele, como se fosse uma criança aprendendo um mundo novo.



Odiar tudo fez com que toda aquela positividade se tornasse menos palatável ainda. Aquele otimismo simplificado começou a parecer ofensivo.





Felizmente, eu redescobri o choro pouco tempo depois. Eu chamo de “choro” e não “tristeza”, porque era isso mesmo. Era chorar por chorar. Meu cérebro aprendeu mais ou menos a ficar triste de novo, mas resolveu sair por aí com tudo antes de aprender a usar os freios ou a direção.






À certa altura durante essa fase, eu ficava chorando no chão da cozinha sem motivo algum. E o que eu costumava fazer durante essas sessões de choro-no-chão era encarar o nada e me sentir meio estranha. Então, através da névoa de lágrimas e nada, eu avistei um pequeno e murcho grão de milho debaixo da geladeira.


Eu realmente não sei o que aconteceu, mas quando eu vi aquele milho, algo fez um “clic”. E isso mexeu com a minha lógica toda de uma maneira que eu não sei explicar, e produziu o riso mais confuso, incontrolável e atropelador que já tive na minha vida.


Eu não fazia idéia do que estava acontecendo.








Pelo jeito, meu cérebro armazenou cada felicidade que eu não sentia nos últimos dezenove meses e impulsivamente decidiu liberar tudo de uma só vez como num ato de vingança.


Aquele pedaço de milho era a coisa mais engraçada que eu já havia visto, e eu não conseguia explicar para ninguém por que ele era engraçado. Se alguém me perguntar: “qual foi o exato momento em que você parou de se sentir uma merda?”, em vez de contar uma história fofa ou enternecida sobre como as pessoas me apoiaram e me amaram, eu vou ter que contar do pedaço de milho. E aí eu vou ter que explicar que foi, sim, de verdade, engraçado. Porque, olha só, o jeito que o milho estava sentado no chão… ele estava tão sozinho… e ele apenas estava lá! E não importa como eu explique, eu sempre vou receber um olhar confuso em troca. Então talvez eu devesse mostrar às pessoas o pedaço de milho – para ver se elas entendem. Mas elas não vão entender. E as coisas só vão ficar ainda mais estranhas.



De qualquer forma, eu queria terminar essa história com um tom positivo e esperançoso, mas ainda tenho minhas ressalvas e acho que tudo isso de positividade e esperança é uma besteira. Então só vou falar isso: ninguém consegue garantir para você que vai ficar tudo bem, mas – e eu não sei se isso vai ser reconfortante para alguém – existe a possibilidade de que tenha um pedaço de milho em algum lugar por aí que vai deixar você tão confuso com o seu riso quanto você estava confuso antes com a sua depressão. E mesmo que tudo isso pareça uma besteira sem sentido, talvez só seja uma besteira sem graça ou estranha ou talvez até nem mesmo seja uma besteira.


Eu não sei.

Mas, quando se está caminhando por aquela terra destruída sem fim, talvez não saber das coisas seja até esperançoso.


FIM

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Vou fazer minhas as palavras do blog: Se você chegou até o fim deste post, que é enoorme, você estava mesmo afim de saber o final desta história. 

No final das contas, temos que tentar encontrar o caminho de volta daquele lugar escuro, não é? Eu estou tentando.

E você?

(lembrando que este post foi tirado do Gluck Project, que traduziu o post do Hyperbole and Half)